Imagine um tempo sem internet, com marcas dedicadas a setores específicos e à padronização de produtos. Entre 1980 e 1990, a Kolynos detinha 52% do mercado de creme dental no Brasil. A pasta de dente era comercializada em tubos de alumínio com identidade visual verde e amarela e tinha um público fiel.
Para você entender a importância disso, a Colgate, no mesmo período, ficava com 27% do mercado. A Colgate comprou a marca e, considerando que isso se tornaria um monopólio, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) interveio. Assim surgiu a Sorriso, mas ela não conseguiu conquistar a mesma fatia de mercado que era fiel à Kolynos.
Se você quiser saber mais detalhes dessa história, recomendo a reportagem de Daniel G. para a EXAME.
Porém, “branding sozinho não sustenta performance por muito tempo se não vier junto com estratégia, canal, leitura de comportamento e execução no detalhe”, afirma Thiago de Melo Furbino em sua análise sobre a compra da Versace pela Prada Group. Antes da performance está a narrativa. Existem campanhas lindas em todos os canais, alta tecnologia em conteúdos de 15 segundos, mas a regra básica para que a narrativa se converta em performance está vinculada à demanda do(a) cliente.
Então, como resolver esse caminho entre a força da marca e a conversão em vendas?
A jornada do herói
O livro StoryBrand, de Donald Miller, traz fórmulas simples e objetivas para construir mensagens claras para o seu público-alvo:
- O(a) cliente
- Tem um problema
- Encontra quem vai resolver
- Avalia o plano de resolução
- A marca chama para a ação
- Indica qual será o fracasso se não usar o plano
- Termina com sucesso.
Só que, antes de desenhar sua jornada, saiba: o produto não importa mais. A questão é como resolver os problemas que o(a) cliente tem, classificados em três níveis:
Problemas externos: práticos e tangíveis
Problemas internos: emocionais e psicológicos
Problemas filosóficos: relacionados ao significado e propósito
A mensagem inicial precisa ser clara e compreensível até mesmo para um leigo. O exercício a seguir pode te ajudar a reconstruir o discurso da sua empresa: uma indústria de ventiladores industriais:
“Sabemos que é difícil escolher o melhor ventilador industrial e ver a conta de energia subir com toda a estrutura ligada. Por isso, nossos ventiladores foram projetados para reduzir em 30% o consumo de energia, e nossa equipe preparou um guia prático com dicas de instalação para melhor aproveitamento da sua infraestrutura. A decisão é sua, mas pense que, além da economia, nosso equipamento tem baixo ruído, contribuindo para o pilar de sustentabilidade do seu processo.”
O texto do exemplo aborda problemas reais (externos), fala sobre sustentabilidade — um dos pilares do ESG — e posiciona a marca como especialista ao oferecer um material com dicas de instalação, considerando a planta fabril e o tipo de operação.
Transformar o discurso da sua marca não é difícil, acredite. Ressignificar o que você faz, sim.
A transformação da Jaguar
A expressão “o tiro saiu pela culatra” existe há cerca de 300 anos. O rebranding da Jaguar, em novembro de 2024, desconsiderou totalmente o público que já era cliente da marca. Essa afirmação se apoia nos resultados financeiros antes e depois do lançamento: Segundo o relatório anual do grupo (FY 23/24), a empresa havia crescido 22% e teve um aumento na receita de 27% em relação ao período anterior. O mais significativo: após dois anos de prejuízo, ela havia registrado lucro.
Após o lançamento do rebranding, que desconstrói a imagem firmada da marca, as ações perderam valor. Os últimos seis meses de 2024 foram marcados por uma queda de 34%, o que levou a corretora global CLSA a rebaixar a classificação das ações, retirando-as da sua lista de alta convicção de “desempenho superior”. Há mais informações sobre essa desvalorização — considerando o movimento de mercado — na publicação de Oleg Tkachenko, da Traders Union, que aponta a queda em 2025. A lição que fica é: muitas vezes, é melhor lançar uma nova marca do que alterar completamente a percepção de valor de uma já reconhecida pelo mercado.
Porém, se você deseja repaginar totalmente a percepção da sua empresa, considere que esse movimento deve ser feito em etapas. Afinal, “a reputação leva anos para ser construída e segundos para ser destruída”, como disse Warren Buffett.